Lucas Fox tem o prazer de apresentar esta casa única e maravilhosa, onde a infinidade de detalhes arquitetônicos, bem como a sua riqueza espacial e a rica textura do concreto, protagonista da envolvente da casa, não passam despercebidos. Convidamo-lo a explorar os seus espaços através deste texto, que recolhe parte das impressões vividas pela dona da casa, que teve a sorte de crescer e descobrir esta memória arquitectónica durante os últimos 25 anos, e que recolhe no seu livro: Looks cruzados.

A primeira imagem que encontramos depois de atravessarmos o perímetro da trama é uma sequência de volumes de concreto ao lado de outros em primeiro plano, em um ambiente natural que não só os envolve, mas parece se entrelaçar com a construção. A imagem reflete fielmente a primeira decisão do projeto: transformar o território da arquitetura, com a natureza, para a construção do lugar.

Uma caverna possuída pela natureza, um abrigo para a natureza.

A própria casa parecia revelar aquela vontade de pertencer a este terreno com a necessidade de se ligar ao local com uma adaptação perfeita à topografia com as diferentes superfícies do terreno.

Para aceder à casa tem de adivinhar a entrada pelos gestos das paredes de meia altura que conduzem para baixo até descobrir a porta. Porta de belas formas cubistas entalhadas que se abre para outro mundo, para outra realidade do lado oposto. Um belo pátio recebe-o no meio do amplo espaço e inicia-se um fluxo dinâmico que configura um trânsito em forma de oito, em torno dele e um segundo pátio. Dois pátios perfurados comportam-se como poços de luz no interior da casa (sem intenção de serem ocupados). O primeiro está praticamente diluído, desaparece no continuum espacial, favorecendo a visão de fora do saguão. O segundo introduz a necessidade de introspecção. Os percursos são múltiplos para ligar as três zonas da casa (pais, filhos e zona da cozinha) mas também no sentido sul-norte (do prado entre as casas ao jardim geométrico).

É fácil mover-se naquele espaço aberto talhado em níveis, mover-se com os dedos nos olhos que sentem e pesam paredes, contrafortes, interstícios, pisos, claraboias, carpintarias e tectos. Todos são elementos dinâmicos que tecem espaços cujos limites são voluntariamente indeterminados. Desde a entrada da casa pode-se vislumbrar a sua complexidade e riqueza espacial de forma total, com o pátio que te encontra e os três degraus que te levam à sala cuja janela panorâmica te leva quase da entrada para o exterior, ao terraço talhado, com fonte e fogo, que avança como sólido subsolo da casa no meio do jardim. A natureza entra e sai de casa, é como um eco e como ela. Um entra e sai em uma única etapa.

Do outro lado da entrada há um mural com móveis integrados e o acesso à cozinha, está sempre pronto para levar a comida em lindas bandejas decoradas com brocados para atender os convidados que vêm continuamente.

O segundo pátio é mais privado e um pouco mais espaçoso. Tem vista para a sala de jantar aberta, mas mais elevada, sendo também a área para adultos e crianças ligada por um belo corredor com janelas abobadadas que revelam o jardim e o pátio de um lado e do outro. Suas paredes são como membranas de um conduto cujas vistas permanecem abertas ou fechadas de acordo com nossa vontade ou lado.

Gosto de imaginar que a primeira coisa que Carvajal procurou depois de reconhecer o terreno, foi um lugar para acender uma fogueira e, uma vez encontrado, fazer uma oração com uma oração pedindo força e inteligência para realizar algo realmente importante para sua família. Ele modelou o fogo interno como uma lareira com dobradiças que articula os espaços em dois níveis e entre os dois pátios, permitindo que você desfrute do mesmo nível ou mais alto. É como uma escultura entre uma lareira e degraus presentes em uma ampla área da casa. O fogo exterior também teve a forma de uma escultura de parede que se expande de dentro para fora e configura o terraço como uma grande sala com o céu abobadado.

A casa enquadra-se no território de forma orgânica, como se bifurcasse e qualificasse áreas diferentes de acordo com os cômodos. As paredes, tal como o interior, são iluminadas, transformando-se em paredes de pátio, peitorais e beirais com profundas linhas de sombras que parecem dissolver a matéria. Tudo acontece num fluxo contínuo e natural, sem saber diferenciar o interior do exterior. Os materiais estão sempre ligados à terra em pavimentos cerâmicos ou de pedra, ou em paredes de betão com cofragem de tábuas de madeira. Este material, o concreto, é um material muito duro que se molda à vontade desde sua origem, resistente ao passar do tempo, embora nele permaneça sua marca. A relação que tive com este elemento não foi fácil num primeiro momento, porque é preciso aprender a conviver com ele, a valorizar a sua presença, bem como a compreender a sua essência de durar no tempo que faz parecer que veio de longe e repete "para sempre" que é difícil de assumir.

Assuma e compreenda o legado do arquiteto nesta obra que transcende o seu ser e o seu bem-estar, o bem-estar da casa.

Cinqüenta anos depois, a casa de Somosaguas não foi esquecida. Hoje, estudantes e arquitetos continuam a visitá-lo. Eles já são história. Presente do passado que faz parte da emoção de quem se maravilha. Quantos descobrirão que sua exemplaridade reside no diálogo questionador diante das questões: o que é o homem? Qual é a relação com o mundo?

Alberto Campo Baeza cita: “Uma casa, a casa Carvajal de Somosaguas, que é uma verdadeira joia da arquitetura moderna espanhola que deve ser preservada e mantida viva. Se Paul Valéry no seu Eupalinos dizia que existiam arquitecturas silenciosas, arquitecturas que falam e arquitecturas que cantam, esta Casa Carvajal de Somosaguas canta, canta com o seu e mais belo canto. ”

Lucas Fox o convida a descobri-lo.

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